sexta-feira, 28 de julho de 2017

Caminho


O caminho do encanto no artista
O caminho pra se perder de vista
O caminho do imenso ao gole
O caminho do ar dentro do fole

O caminho da tragédia no instante
O caminho do passo ao distante
O caminho do eterno no tempo
O caminho do sopro ao vento

O caminho do canino à jugular
O caminho da palavra solta no ar
O caminho da solução ao dilema
O caminho do vazio no poema

O caminho do bezerro ao molho
O caminho do sangue dentro do olho
O caminho do fogo no estopim
O caminho do logo depois do fim

O caminho que caminho
O caminho que caminha
dentro de mim

O caminho do ar nos pulmões
O caminho do grito às canções
O caminho do ódio no coração
O caminho da flor até o caixão

O caminho do peixe ao anzol
O caminho da sombra no sol
O caminho da sentença à morte
O caminho do gume ao corte

O caminho do riso no desgosto
O caminho do punho ao rosto
O caminho do ódio no gatilho
O caminho triste do andarilho

O caminho da ferida à cicatriz
O caminho do santo à meretriz
O caminho da língua ao picolé
O caminho do pecado dentro da fé

O caminho que caminho
O caminho que caminha
dentro de mim






xavier

Os dois lados da cabeça




Do lado de fora da cabeça
Mamadeira, catarro, sarampo
Maquiagem, escova, brinco, grampo

A careta careca e a natureza
Lembrete pra que ninguém esqueça 
Guarda-chuva, óculos, lenço, rapé
Boneca, bombeta, gorro, boné
Chapéu de palha, de couro, quipá
Machado, faca, pedra de amolar
A carapuça, piolho e cafuné

Do lado de dentro tem o miolo
O miolo mole a sina costura
Alinhava razão com loucura
Se acha sábio, dentro d'um tolo
A inteligência é seu consolo
Infantil, adulto ou maduro
Mesmo vivendo denso escuro
Considera-se uma divina luz
 
Uma caixa de osso é seu capuz
 
A prepotência arrima o seu muro

Do lado de fora da cabeça 
Pente fino, franja, brilhantina
Topete, burca, sol e lubrina
Orvalho, vento, riacho, represa
Cara de bunda, soco, aspereza
A palavra na mente distraída
 
Orelha pra entrada e saída
 
A dentadura, porteira de pança
Língua ferina, veneno fatal
Boca calada, túmulo do mal
O silêncio do olhar sem esperança

Do lado de dentro, os neurônios 
Vingança, guerra, fraternidade
Amor, conquista, poder, maldade
Fé, religião, riqueza, sonho
Sangue, instinto, ódio medonho
Covardia, preconceito, destruição
Ciência, arte, sangue, compaixão
 
Sem trégua, serenidade ou paz
O vício come o próprio sossego
Provoca a morte desde bem cedo
Desafiando o sempre e o jamais

O lado de dentro da cabeça
Fica num pé e noutro, não sossega
Se o bom ou ruim que planeja
 
Do lado de fora não aconteça
Cabeça dura de firmes sentenças
Não gosta de respeitar diferenças
Nosso Deus, criador do universo
Ao perceber o orgulho raivoso
A residência infernal do Tinhoso
Ficou chocado com o perverso

Resolveu tomar uma providência 
Só quem olha pra frente é que nota
O futuro de uma cor que desbota
Chamou Satanás pr’uma experiência
Pros lados melhorarem a convivência
Os dois resolveram o balde chutar
Criaram cantor que não sabe cantar
Peruca de touro pra cabra valente
Cerveja, samba, forró, aguardente
E o poeta pra acabar de lascar



xavier

No tempo em que os bichos falavam




No tempo que os bichos falavam
O fuxico era a única diversão
Se alguém vacilasse tinha o nome
Correndo nos carreiros do sertão


Lampião metia medo no povo
O jararaca foi quem passou a fita
Curisco e os soldados da volante
O corneavam com Maria bonita

Quando choveu na fazenda Angico
O cágado fofoqueiro curiava
Espalhou que a macheza do riacho
Não era tudo aquilo que se falava

Foi a língua barrenta da enxurrada
Passar no rego fundo do riachão
Que cheio de frescura, disse logo
Passa mais que eu acho é bom!

Durante uma briga sangrenta
A cauda do calango foi comida
Os bichos usaram esta tragédia
Para o chamarem de Margarida

O sonhim do alto de uma Aroeira
Sorrindo perguntava ao coitado
Calango baitola responda por favor
É verdade que comeram teu rabo?

- Comeram o rabo do calango
Ele achou bom o rabo dar
Tá esperando outro rabo crescer
Pra chamar o teiú pra jantar

.

Xaxá

Deprê


depressão é
a panela que
coisinha
a vida




xavier

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Ajuda



na subida
todo santo ajuda

na descida
deus nos acuda


xaxá



Inspiração

A inspiração veio de repente
Vazia, nem pediu permissão
Foi metendo o pé na porta
Violentou o meu coração

Fez-me abrir os armários
Estender mortalhas no varal
E sorriu, vendo-me exumar
Dores enterradas no quintal

Zangou feridas e cicatrizes
Abriu o gás e tirou o meu ar
Na cara jogou todos os erros
De saudade, fez-me sangrar

Pelos olhos foi embora
Deixando-me sem chão
Agora é paz e felicidade
Vestida como canção

Festeja em mesas de bar
Sem lembrar da covardia
Dissimulada se apresenta
Como inocente poesia 

Último dia

No que seria meu último dia
Eu queria
O som de uma flor bebendo
Gotas de orvalho
O frescor da brisa brincando
Com teu fogo
O lactente sorriso, o cheiro
De um filho
.

No que seria meu último dia
Eu pedi
A doçura de todos os rios
Na boca do mar
Olhos d'águas borbulhando
No sertão
O trem e a plataforma
Indo passear
.

No que seria meu último dia
Eu exigi
Tuas mãos embaraçando
Os meus cabelos
Teu aceno, com o lenço
Que escondi
E que sem este gesto eu não
Possa partir